sábado, 17 de maio de 2008

Dias bons


Era segunda-feira, e vários homens conversavam durante o trabalho. O assunto era, como de costume naquele dia da semana, o que aconteceu no sábado e no domingo. Uns diziam que tiveram um ótimo descanso, outros reclamavam que não tiveram o que fazer, e uns terceiros lamentavam as tarefas domésticas do fim de semana. Todos contavam como tinha sido seu dia, começando ou concluindo sempre dizendo se o dia tinha sido bom ou ruim.

No meio daquela conversa, inesperadamente, um daqueles homens, olhando para o chão, perguntou:

- De que são feitos os dias bons? E como se fazem eles?

Antes do questionamento todos conversavam sem tirar a atenção das tarefas que realizavam. Naquele momento, entretanto, todos pararam o que estavam fazendo. Houveram segundos de silêncio enquanto todos ali pensavam profundamente. Impressionante é quando homens próximos param para meditar antes de discutir. É como se cada um viajasse por diferentes mundos e depois voltasse para compartilhar o que passou. Foi o que aconteceu naquela hora e lugar.

Após alguns segundos de silêncio, depois de todos voltarem de seus mundos para a sala onde estavam, só se esperava que alguém começasse a falar, assim como se espera com certeza a chuva que uma silenciosa nuvem escura traz. Um deles rompeu o silêncio.

- Meus dias dependem de meus sonhos. Quando tenho bons sonhos, apesar de ficar decepcionado quando vejo a realidade ao acordar, sou influenciado positivamente pela boa ilusão durante todo o dia, alegre e satisfeito por ter, mesmo no mundo onírico, ter tido uma boa experiência.

Um segundo homem, que prestava bastante atenção à fala do primeiro, resolveu replicar:

- Sua felicidade é insegura, pois é baseada na fantasia. Você fica sujeito a ter péssimos dias quando seus sonhos forem ruins, e a ter dias indiferentes e sem graça quando não sonhar. Além de tudo, você não domina seus sonhos, ficando sujeito aos caprichos de sua mente noturna. Eu baseio os meus dias no que é palpável e repetível. Alegro-me ao ver um bom filme, e durmo e acordo bem ao ver as constelações e descobrir novas nebulosas pelo céu cheio de estrelas. Os filmes e o céu existem todos os dias, não dependendo de sonhos indomados.

Frente à dualidade dos discursos, houve novo silêncio por alguns segundos. Ponderava-se em cada mente sobre a divergência que estava diante deles. O silêncio foi quebrado por um terceiro homem, que ainda não tinha dito nada aquele dia.

- Sei que há uma aparente discordância aqui, mas ela não é necessária. Ambos estão certos em suas práticas, mas não na forma como as defendem. Não há debate possível aqui, senhores. Dias bons podem ser construídos com sonhos ou com realidade. Contudo, ambos se esqueceram de algo essencial. Apesar de os dias agradáveis poderem ser construídos tanto com o material onírico quanto com o palpável, lembrem-se de que são apenas os ingredientes, a matéria-prima que irá fazer os dias bons ou ruins. Falta o essencial.

- E qual é o essencial? - perguntou apressadamente um dos homens, embora o discurso do terceiro não tivesse terminado.

- O essencial é como eles são feitos bons através destes elementos. Do que adianta ter um sonho bom se você não poderá contá-lo a ninguém? Há algo de bom em sentir-se confortável por acordar de um pesadelo se ainda se está sozinho, sem a quem recorrer no terror imediato que sucede o sonho ruim? Qual a vantagem de se assistir o bom filme se não se tem com quem comentá-lo? Faz sentido conhecer novas constelações e nebulosas no céu se não existe a quem ensinar onde elas ficam?

Parou por um instante então. Todos pensavam ainda no que o homem tinha dito quando ele continuou falando, concluindo:

- Portanto, senhores, dias bons podem ser feitos com sonhos ou com as coisas reais à volta, mas sempre são construídos por mais de uma pessoa. Ao protagonizarem seus dias bons vocês terão obrigatoriamente cúmplices.

Na terça-feira seguinte ninguém pensou em dizer que o dia anterior tinha sido.



Extraído do seguinte site: http://bichoderondonia.com/2007/12/03/dias-bons/

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